Guia de Prescrição: Manejo do Crupe (Laringite Estridulosa) em Pediatria
O crupe é uma causa comum de obstrução das vias aéreas superiores em crianças pequenas, caracterizada por tosse "canina", estridor e rouquidão. Embora geralmente autolimitada e viral, sua apresentação aguda pode ser angustiante e requer um manejo farmacológico rápido e eficaz para aliviar a inflamação subglótica. Este guia fornece um protocolo baseado em evidências para o tratamento medicamentoso do crupe moderado a grave.
1. Diagnóstico Clínico e Avaliação da Gravidade
O diagnóstico é clínico. A avaliação imediata da gravidade é crucial para determinar a conduta (ambulatorial vs. emergência).
- Tríade Clássica: 1) Tosse "canina" ou "de foca" (grave, metálica); 2) Estridor (sibilância inspiratória aguda); 3) Rouquidão.
- Fase Clínica: Geralmente precede um pródromo viral de 1-3 dias (coriza, febre baixa). Os sintomas obstrutivos pioram à noite.
- Escala de Westley (Avaliação de Gravidade):
- Leve: Estridor apenas com agitação, sem retrações, estado geral bom.
- Moderado: Estridor em repouso, retrações leves a moderadas (supraclavicular, intercostal), leve agitação.
- Grave: Estridor marcado em repouso, retrações graves, agitação ou letargia, cianose ou hipóxia.
Clássico Sinal da Torre ou Sinal da Ponta do Lápis em Radiografia de Traqueia. Nota-se o afunilamento proximal da estrutura, causada pela Laringotraqueíte. Arquivo pessoal do autor.
📌 Diagnósticos Diferenciais Críticos (Sinais de Alerta):
- Epiglotite (Emergência!): Início abrupto, febre alta, toxicidade, dor de garganta intensa, voz abafada (não rouca), posição de tripé e baba. NÃO examinar a orofaringe. Requer manejo em centro com condições de via aérea avançada.
- Traqueíte Bacteriana: Crupe grave que não responde a tratamento, febre alta, secreção purulenta abundante.
- Corpo Estranho de Vias Aéreas: História súbita de engasgo, estridor ou tosse localizada, sem pródromo viral.
- Abscesso Retrofaríngeo: Rigidez de nuca, febre alta, dificuldade para deglutir (disfagia).
2. Prescrição Padrão: Terapia Anti-inflamatória e Sintomática
O pilar do tratamento é a administração de corticosteroides para reduzir o edema subglótico. A adrenalina nebulizada é reservada para casos moderados a graves.
Prescrição Principal
Item | Medicamento | Posologia e Cálculo de Dose | Instruções e Duração |
1. | Dexametasona Oral 0,5 mg/mL (xarope) ou Dexametasona IM 2 mg/mL ou 4 mg/mL (ampola) | Dose Única: 0,15 a 0,6 mg/kg (dose preferencial: 0,6 mg/kg para melhor eficácia). Exemplo Prático (Criança 12 kg): 12 kg x 0.6 mg/kg = 7.2 mg. - Via Oral: 7.2 mg / 0.5 mg/mL = 14.4 mL de xarope. - Via IM: 7.2 mg / 4 mg/mL = 1.8 mL (aplicar no vasto lateral da coxa). | Dose única. A via oral é preferível se a criança conseguir deglutir. Efeito esperado em 1-2 horas. Se houver vômito em até 15 min, repetir a dose (preferencialmente IM). |
2. | Adrenalina (Epinefrina) Racêmica Nebulizada (disponível em PS/hospital) | Dose: 0,5 mL de solução a 2,25% (11,25 mg) diluída em 3 mL de SF 0,9%. Ou Adrenalina (Epinefrina) Nebulizada (alternativa comum): 0,5 mL/kg/dose (máx. 5 mL) de solução 1:1000 (1 mg/mL). | Para crise moderada/grave com estridor em repouso e retração. Pode ser repetida a cada 15-20 minutos se necessário. Observação obrigatória por 2-4h após administração devido ao risco de efeito rebote. |
✍️ Instruções Padronizadas para os Pais/Responsáveis (Modelo para Casos Leves/Moderados Tratados Ambulatorialmente):
"O medicamento (corticoide) vai reduzir o inchaço na garganta da criança, com efeito em algumas horas. Os sintomas (tosse rouca, ruído na inspiração) podem piorar à noite nos próximos 2-3 dias, mas devem melhorar gradualmente. Ofereça líquidos frios e mantenha a criança o mais calma possível (o choro piora a falta de ar). Procure o pronto-socorro imediatamente se observar: dificuldade para respirar que piora rapidamente, lábios ou unhas arroxeados, sonolência excessiva ou agitação intensa."
3. Alternativas Terapêuticas e Ajustes
Cenário Clínico | Ajuste na Conduta | Fundamentação |
Falta de acesso a Dexametasona Oral/IM | Prednisolona Oral: 1-2 mg/kg/dose única (máx. 40-60 mg). | Eficaz, porém a Dexametasona tem meia-vida mais longa, permitindo dose única. A Prednisolona pode exigir dose por 2-3 dias. |
Criança com histórico de Crupe Recorrente ou Espasmódico | Prescrever Dexametasona para uso domiciliar (com orientação rigorosa). Ex.: "Administrar dose única de 0,6 mg/kg ao primeiro sinal de tosse 'canina' forte ou estridor, e procurar avaliação médica." | Permite intervenção precoce, evitando idas desnecessárias ao PS. Deve ser restrito a casos selecionados e com pais muito bem orientados. |
Crupe Leve (sem estridor em repouso, sem retração) | Pode-se adotar conduta expectante sem medicação ou usar corticosteroide em dose única. A nebulização com soro fisiológico 3 mL pode oferecer alívio sintomático por umedecimento das vias aéreas. | A maioria dos casos leves resolve espontaneamente. O corticoide pode reduzir a progressão para moderado e a necessidade de retorno ao PS. |
Suspeita de Infecção Bacteriana Secundária (Traqueíte) | Encaminhamento URGENTE para hospitalização. O tratamento requer antibioticoterapia IV de amplo espectro (ex.: Ceftriaxona + Clindamicina ou Vancomicina) e manejo avançado da via aérea. | É uma complicação rara e grave. Sinais: febre alta, mau estado geral, secreção purulenta, falta de resposta ao tratamento padrão. |
4. Por que este Protocolo é Eficaz?
✅ Efeito Anti-inflamatório Poderoso e de Longa Duração: A Dexametasona (dose única de 0,6 mg/kg) é o pilar do tratamento, reduzindo significativamente o edema da região subglótica, a necessidade de adrenalina, as consultas ao PS e as readmissões hospitalares, conforme demonstrado em metanálises.
✅ Abordagem Graduada e Baseada na Gravidade: O protocolo distingue claramente o uso de corticoide (para todos os casos moderados/graves) da adrenalina nebulizada (reservada para obstrução mais significativa), seguindo as diretrizes da American Academy of Pediatrics (AAP) e outras sociedades pediátricas.
✅ Foco na Segurança e Monitoramento: A orientação clara sobre sinais de alarme e o período de observação pós-adrenalina garantem que os casos que evoluem para insuficiência respiratória sejam identificados e tratados em tempo hábil.
✅ Otimização da Via de Administração: A preferência pela via oral (quando viável) sobre a IM ou nebulizada para o corticoide torna o tratamento menos invasivo, mais rápido e melhor aceito pela criança e familiares.