Anemia Infantil

Guia clínico de apoio à prescrição para Anemia Infantil

Guia de Prescrição: Diagnóstico e Tratamento da Anemia Ferropriva em Crianças

A anemia ferropriva é o distúrbio nutricional mais prevalente na infância, com impacto potencial no desenvolvimento neuropsicomotor. Seu manejo adequado vai além da simples suplementação de ferro, exigindo confirmação diagnóstica, tratamento corretamente dosado e investigação da causa base. Este guia oferece um protocolo claro para o diagnóstico e tratamento da anemia por deficiência de ferro em pacientes pediátricos.


1. Diagnóstico Clínico e Laboratorial

O diagnóstico é suspeitado clinicamente e obrigatoriamente confirmado por exames laboratoriais antes de iniciar qualquer tratamento.

  • Achados Clínicos: Palidez cutâneo-mucosa, irritabilidade, fadiga, taquicardia, sopro sistólico funcional. Em casos mais graves ou crônicos, pode haver pica (desejo por substâncias não alimentares como gelo, terra) e atraso no desenvolvimento.
  • Critérios Laboratoriais para Diagnóstico (OMS):
  • 6 meses a 5 anos: Hemoglobina (Hb) < 11.0 g/dL
  • 5 a 11 anos: Hb < 11.5 g/dL
  • 12 a 14 anos: Hb < 12.0 g/dL
  • Confirmação da Etiologia Ferropriva: O diagnóstico ideal deve incluir, além da Hb, VCM (Volume Corpuscular Médio) < 80 fL (microcitose), HCM (Hemoglobina Corpuscular Média) < 27 pg (hipocromia) e, preferencialmente, baixa Ferritina sérica (o marcador mais específico de depleção dos estoques). A dosagem de ferro sérico e TIBC (Capacidade Total de Ligação do Ferro) pode ser útil em casos duvidosos.

📌 Diagnósticos Diferenciais Importantes (Anemias Microcíticas/Hipocrômicas):

  • Talasemia Minor (Traço Talassêmico): Pode mimetizar a anemia ferropriva. Indícios: VCM muito baixo desproporcional à anemia leve, RDW normal (na ferropriva é elevado), contagem de hemácias elevada. A eletroforese de Hb é diagnóstica.
  • Anemia de Doença Crônica: Geralmente normocítica/normocrômica, mas pode se tornar microcítica. Marcadores inflamatórios elevados (VHS, PCR), ferritina normal ou elevada.
  • Intoxicação por Chumbo: Rara, mas importante. Investigar em ambientes de risco. Pode causar anemia microcítica e alterações neurológicas.

2. Prescrição Padrão: Terapia de Reposição de Ferro

O tratamento visa repor os estoques de ferro e corrigir a anemia. A dose é calculada por peso corporal e baseada no ferro elementar.

Prescrição Principal (Sulfato Ferroso)

Item

Medicamento e Cálculo

Posologia e Instruções

Duração

1.

Sulfato Ferroso Xarope (Exemplo: 12.5 mg de Ferro elementar por 2.5 mL ou 25 mg/5mL)

Dose Terapêutica: 3 a 6 mg de ferro elementar/kg/dia, dividida em 1 a 2 tomas diárias (dose máxima: 150-200 mg elementar/dia).

Exemplo Prático: Para uma criança de 12 kg, usando xarope de 12.5mg Fe/2.5mL:

Dose diária = 4 mg/kg/dia * 12 kg = 48 mg Fe.

Volume diário = (48 mg / 12.5 mg) * 2.5 mL = 9.6 mL ao dia.

Prescrever: Tomar 4.8 mL (≈ 1 colher medida de 5mL cheia), via oral, 2 vezes ao dia.

Mínimo de 3 a 6 meses.

1. Tratamento Corretivo (até normalizar a Hb): 1-3 meses.

2. Reposição dos Estoques (Fase de Manutenção): Mais 2-3 meses após a normalização da Hb.

✍️ Instruções Padronizadas para os Pais/Responsáveis (Modelo):
"Este remédio é para repor o ferro que está faltando no sangue do(a) seu(ua) filho(a). Administre ENTRE as refeições, com água ou suco rico em vitamina C (limão, laranja, acerola) para melhorar a absorção. Evite dar com leite, chá ou refrigerante. Pode deixar as fezes mais escuras (verde-arroxeadas) e causar constipação ou desconforto gástrico. Se os efeitos forem intensos, pode-se administrar junto com as refeições (absorção menor) e garantir a oferta de fibras e água. NÃO interrompa o tratamento mesmo que a criança pareça melhor, pois os estoques internos demoram para se recompor."


3. Alternativas Terapêuticas e Ajustes

A terapia deve ser individualizada conforme tolerância, resposta e cenário clínico.

Cenário Clínico

Ajuste na Prescrição

Fundamentação

Intolerância Gastrointestinal Grave ao sulfato ferroso.

Substituir por outra formulação:

• Ferro Bisglicinato Quelato: Melhor tolerado, menor interação alimentar. Dose: 3-4 mg Fe elementar/kg/dia.

• Fumarato Ferroso.

Alguns sais de ferro têm melhor biodisponibilidade e perfil de efeitos colaterais, facilitando a adesão ao tratamento de longo prazo.

Falha Terapêutica (sem resposta após 1 mês)

1. Reavaliar aderência ao tratamento.

2. Investigar perda contínua de sangue (parasitoses, doença inflamatória intestinal, alergia ao leite de vaca).

3. Reconsiderar diagnóstico diferencial (Talasemia, Doença Crônica).

4. Verificar se a dose está correta por peso atual.

A falta de resposta geralmente indica sangramento contínuo, má absorção (rara), dose insuficiente ou diagnóstico incorreto.

Anemia Grave (Hb < 7 g/dL) ou com instabilidade clínica

Conduta Emergencial:

• Encaminhar para avaliação hospitalar para possível transfusão sanguínea.

• Iniciar/reforçar terapia oral simultaneamente.

O tratamento da anemia grave é hospitalar. A transfusão é reservada para casos sintomáticos ou com sinais de descompensação.


4. Prevenção e Suplementação Universal

Conforme diretriz do Ministério da Saúde e da SBP (Sociedade Brasileira de Pediatria):

  • Suplementação Preventiva: Todas as crianças de 6 a 24 meses de idade devem receber suplementação de ferro preventiva, independente de aleitamento.
  • Dose Preventiva: 1 mg de ferro elementar/kg/dia. Exemplo: Criança de 10 kg toma 10 mg de Fe elementar ao dia (ex.: 2 mL do xarope de 12.5mg Fe/2.5mL).
  • Aleitamento Materno Exclusivo: É a melhor forma de prevenção, mas a suplementação ainda é indicada a partir dos 6 meses.

5. Por que este Protocolo é Essencial?

✅ Tratamento Baseado em Evidência e Peso: Utiliza a dose de mg/kg/dia padronizada internacionalmente, garantindo eficácia e segurança.

✅ Foco na Causa e no Curso Completo: Enfatiza a necessidade de investigar a etiologia da deficiência (ex.: dieta, perda sanguínea) e tratar até a plena reposição dos estoques, prevenindo recorrências.

✅ Orientação Clara para Melhor Absorção e Adesão: Instruções específicas sobre administração com vitamina C e evitando inibidores (cálcio, taninos) são cruciais para o sucesso terapêutico.

✅ Alinhamento com Diretrizes Nacionais e de Saúde Pública: Incorpora a recomendação de suplementação universal preventiva, uma das estratégias mais eficazes no combate à anemia na primeira infância.