Constipação

Guia clínico de apoio à prescrição para Constipação

Guia de Prescrição: Estratificação do Manejo da Constipação Intestinal Aguda

A constipação intestinal aguda é uma queixa frequente que requer uma abordagem terapêutica racional, baseada na idade, na segurança e no mecanismo de ação dos laxantes. A escolha entre terapia oral e retal, e entre agentes lubrificantes e osmóticos, é fundamental para um alívio eficaz e seguro. Este guia oferece protocolos distintos para adultos e crianças, priorizando a via de administração e o perfil farmacológico mais adequado para cada faixa etária.


1. Diagnóstico e Avaliação Inicial

A constipação é definida pela dificuldade persistente na evacuação, caracterizada por dois ou mais dos seguintes critérios (Critérios de Roma IV, adaptados) por um período inferior a 3 meses:

  • Menos de 3 evacuações espontâneas por semana.
  • Esforço excessivo em mais de 25% das evacuações.
  • Fezes endurecidas ou fragmentadas (Escala de Bristol tipos 1 ou 2) em mais de 25% das evacuações.
  • Sensação de evacuação incompleta ou de obstrução anorretal.

📌 Avaliação Crucial (Excluir Causas de Alarme):

  • História e Exame Físico: Identificar hábitos dietéticos (baixa ingestão de fibras e água), sedentarismo, medicamentos constipantes (opioides, antiácidos com alumínio/cálcio, antidepressivos), e doenças metabólicas (hipotireoidismo).
  • Sinais de Alarme ("Red Flags"): Início recente e progressivo após os 50 anos, sangramento retal visível, anemia ferropriva, perda de peso não intencional, história familiar de câncer colorretal. Nestes casos, investigação complementar (colonoscopia) é mandatória antes do tratamento sintomático.
  • Constipação Crônica vs. Aguda: Este guia foca no manejo agudo. A constipação crônica (>3 meses) exige uma abordagem multifatorial mais complexa, incluindo reeducação intestinal, biofeedback e uso crônico de laxantes.

2. Protocolos de Prescrição: Adultos vs. Pediátrico

A escolha entre a via oral (tratamento sistêmico) e retal (alívio local rápido) depende da urgência e da idade do paciente.

TABELA 1: Protocolos para Constipação Aguda em ADULTOS

Protocolo

Mecanismo de Ação

Prescrição e Posologia

Duração e Observações

CONSTIPAÇÃO 1

(Via Oral - Laxante Lubrificante)

Óleo Mineral: Lubrifica o bolo fecal e a mucosa intestinal, facilitando o trânsito e a evacuação. Não estimula o peristaltismo.

Óleo Mineral: Tomar 10 a 30 mL (1 a 2 colheres de sopa), por via oral, 1 a 2 vezes ao dia. Idealmente administrar longe das refeições (pelo menos 2 horas).

Máximo de 7 a 10 dias. Uso prolongado pode interferir na absorção de vitaminas lipossolúveis (A, D, E, K). Contraindicado em disfagia, alteração do nível de consciência ou risco elevado de aspiração (pneumonia lipoide).

CONSTIPAÇÃO 2

(Via Retal - Laxante Osmótico/Evacuante)

Sorbitol (Solução Retal): Agente osmótico que promove a entrada de água para o lúmen intestinal, amolecendo as fezes e estimulando o reflexo evacuatório por distensão retal.

Sorbitol a 70% (ex.: Minilax®): Aplicar o conteúdo de 1 a 2 bisnagas (aproximadamente 5 a 10 g de sorbitol), por via retal, uma vez ao dia.

Uso pontual, por 1 a 3 dias. Não deve ser usado como tratamento de manutenção. Útil para alívio rápido e para preparo intestinal para exames.

TABELA 2: Protocolos para Constipação Aguda em CRIANÇAS (Ajuste por Peso)

Protocolo

Mecanismo de Ação

Prescrição e Posologia Pediátrica

Observações Cruciais

CONSTIPAÇÃO CRIANÇA 1

(Via Oral - Cuidado Especial)

Óleo Mineral: Lubrificante. Uso pediátrico requer cautela extrema.

Dose: 1 a 3 mL/kg/dia, dividida em 1-2 doses (máx. 30 mL/dia).

Exemplo (criança 15 kg): 15 a 45 mL/dia → 7,5 a 22,5 mL, 2x ao dia.

Administrar com supervisão para evitar aspiração. Sabor desagradável. NÃO é primeira linha em pediatria. Preferir lactulose ou polietilenoglicol (PEG).

CONSTIPAÇÃO CRIANÇA 2

(Via Retal - Para Alívio Imediato)

Sorbitol (Solução Retal): Osmótico/Evacuante.

Sorbitol a 70%: Aplicar ½ a 1 bisnaga pediátrica (conteúdo correspondente a 2,5 a 5 g de sorbitol), por via retal, uma vez ao dia, apenas para impacto fecal ou alívio urgente.

NÃO usar de forma rotineira. Pode causar desconforto e medo na criança. O foco no manejo pediátrico deve ser a terapia oral de manutenção (ex.: PEG) e mudanças dietéticas.

✍️ Instruções Padronizadas para o Paciente/Pais:

  • Para Óleo Mineral (Adulto/Criança): "Tome o óleo puro ou misturado em suco frio. Não deite-se imediatamente após a ingestão. Use por poucos dias para não prejudicar a absorção de vitaminas."
  • Para Sorbitol Retal: "A aplicação é para alívio imediato. Deite-se de lado, insira suavemente o aplicador e esvazie o conteúdo. Tente reter por alguns minutos. Não use este método todos os dias, pois o intestino pode ficar 'preguiçoso'."

3. Alternativas Terapêuticas e Ajustes

Cenário Clínico

Conduta Recomendada (Substituição ou Adição)

Fundamentação

Primeira Linha Preferencial para Constipação Aguda/ Crônica (Adulto e Criança > 1 ano)

Laxante Osmótico Oral (Substitui ou é superior ao óleo mineral):

• Lactulose: 15-45 mL/dia para adultos; 1-3 mL/kg/dia para crianças.

• Polietilenoglicol (PEG): 17-34 g/dia para adultos; 0,4-0,8 g/kg/dia para crianças.

São mais seguros, eficazes e melhor tolerados que o óleo mineral. Não causam dependência, são metabolizados por bactérias (lactulose) ou não absorvidos (PEG), atraindo água para o intestino. Padrão-ouro em pediatria.

Gestação

Primeira Escolha: Hidróxido de Magnésio Leite de Magnésia (osmótico) ou Lactulose.

Evitar: Óleo mineral (risco de má absorção de nutrientes) e laxantes estimulantes.

Segurança estabelecida. O Leite de Magnésia deve ser usado com cautela em pacientes com insuficiência renal.

Impactação Fecal Confirmada

1. Desimpactação Manual ou com Enema (sob orientação).

2. Iniciar Terapia de Manutenção Oral com laxante osmótico (PEG) em alta dose por alguns dias, seguida de dose de manutenção.

O uso isolado de sorbitol retal pode não resolver um fecaloma. A desimpactação é o primeiro passo, seguido de um plano para evitar recorrência.

Constipação Induzida por Opioides

Associar um Agente Procinético/Osmótico Específico:

• Naloxegol ou Metilnaltrexona (antagonistas periféricos de receptores μ).

• Prucaloprida (procinético) + Laxante Osmótico.

A constipação por opioides é resistente a laxantes convencionais. Requer medicamentos que antagonizem o efeito constipante no receptor intestinal sem perder o efeito analgésico central.


4. Por que Esta Estratificação por Via e Idade é Essencial?

✅ Segurança em Destaque: A contraindicação clara do óleo mineral em risco de aspiração e seu uso limitado em crianças previne uma complicação grave (pneumonia lipoide). O guia posiciona os laxantes osmóticos orais (PEG, Lactulose) como opções mais seguras e modernas.

✅ Abordagem Pediátrica Específica: Reconhece que a constipação na criança é uma entidade distinta, onde a via retal deve ser exceção e o foco está na reeducação intestinal e em medicamentos orais de manutenção seguros (PEG), conforme diretrizes das sociedades de pediatria e gastroenterologia pediátrica.

✅ Uso Racional do Medicamento Retal: Define o sorbitol retal como "resgate" para alívio imediato, desencorajando seu uso crônico que pode levar à alcalose metabólica, dependência do reflexo retal e atonia intestinal.

✅ Ênfase na Causa Subjacente: O guia não se limita à prescrição, mas insiste na investigação de sinais de alarme e na correção de fatores dietéticos e comportamentais, que são a base do manejo a longo prazo, especialmente na constipação crônica.