Asma Infantil

Guia clínico de apoio à prescrição para Asma Infantil

Guia de Prescrição: Manejo da Crise de Asma em Pediatria (Ambulatorial)

A crise de asma é uma das principais causas de atendimento de urgência em pediatria. O manejo ambulatorial seguro exige uma avaliação precisa da gravidade, a seleção do protocolo medicamentoso apropriado à idade e à disponibilidade de dispositivos, e instruções inequívocas para os responsáveis. Este guia estratifica três esquemas prescritivos eficazes para crises leves a moderadas em crianças.


1. Avaliação Clínica e Critérios para Tratamento Ambulatorial

A decisão de tratar em casa depende da identificação de uma crise leve a moderada e da ausência de sinais de alerta. Avaliação deve ser feita antes da prescrição.

  • Sinais de Crise Leve a Moderada (Candidata a Ambulatório):
  • Criança consegue falar em frases ou chorar forte.
  • Ausculta: Sibilância moderada.
  • Uso discreto da musculatura acessória (tiragem subcostal/intercostal leve).
  • Estado geral: Irritável, mas responsivo.
  • Saturação (SpO₂) em ar ambiente: ≥ 92%.
  • Sinais de Alerta para ENCAMINHAMENTO IMEDIATO à Emergência:
  • Crise Grave: Cianose, taquipneia intensa (FR > 50-60 rpm em lactentes; > 40 em pré-escolares; > 30 em escolares), dificuldade para falar/chorar, retração esternal ou supraclavicular grave, agitação ou sonolência.
  • Piora ou Falha da Resposta Domiciliar: Uso frequente do broncodilatador de alívio (> 6-8 vezes nas últimas 24h) sem melhora sustentada.
  • Saturação (SpO₂) em ar ambiente: < 92%.
  • História de Crise Grave ou Internação Prévia por Asma.

📌 Diagnósticos Diferenciais Importantes:

  • Bronquiolite (principalmente < 2 anos): Primeiro episódio de sibilância, febre, coriza, padrão viral.
  • Aspiração de Corpo Estranho: Início súbito, crise afônica, sibilância unilateral, história sugestiva.
  • Laringite (Crupe): Estridor inspiratório, tosse "canina", febre.
  • Pneumonia: Febre, toxemia, foco auscultatório consolidativo.

2. Protocolos de Prescrição para Crise Aguda Pediátrica

A base do tratamento é a dupla terapia: Corticoide Sistêmico Oral (para reduzir a inflamação das vias aéreas) + Broncodilatador de Ação Rápida (para alívio imediato). A escolha do protocolo depende da gravidade, idade e recursos disponíveis.

Cenário Clínico & Objetivo

Protocolo de Prescrição e Cálculo de Dose

Posologia e Instruções Essenciais

PROTOCOLO 1

Crise moderada ou com nebulizador disponível.

1. Prednisolona Xarope 3mg/mL

Dose: 1-2 mg/kg/dia (máx. 40-60 mg/dia).

Ex: Criança 15 kg → 15 a 30 mg/dia = 5 a 10 mL/dia.

2. Nebulização: SF 0,9% 3mL + Fenoterol (5mg/mL) + Ipratrópio (0,25mg/mL).

Dose por nebulização:

• Fenoterol: 1-2 gotas/kg (máx. 10 gotas).

• Ipratrópio: 2-4 gotas/kg (máx. 20 gotas).

Ex: Criança 15 kg → Fenoterol 15-30 gotas, Ipratrópio 30-60 gotas.

VO: Dose total calculada, 1x ao dia pela manhã, por 5 dias.

Nebulização: A cada 6 horas, por 5 dias. A combinação (Beta2 + Anticolinérgico) tem eficácia superior na crise.

PROTOCOLO 2

Crise leve ou sem acesso a nebulizador.

1. Prednisolona Xarope 3mg/mL

Dose: 1-2 mg/kg/dia (cálculo idem acima).

2. Salbutamol Aerosol 100µg/jato

Dispositivo: Inalador Dosimetrado (IDM) + ESPAÇADOR COM MÁSCARA (idade < 4-6 anos) ou BUCAL.

VO: Idem Protocolo 1.

Inalação: 2-4 jatos (200-400µg) a cada 4 horas, por 5 dias. O uso do espaçador é OBRIGATÓRIO em pediatria. Técnica: 1 jato por vez, com 5-6 respirações normais pela máscara.

PROTOCOLO 3

Crise leve, alternativa para recusa do IDM ou onde disponível.

1. Salbutamol Xarope 2mg/5mL

Dose: 0,15 mg/kg/dose (máx. 4 mg/dose).

Ex: Criança 15 kg → 2,25 mg/dose = ≈ 5,6 mL.

2. Prednisolona Xarope 3mg/mL

Dose: 1-2 mg/kg/dia (cálculo idem).

VO:

• Salbutamol: A cada 8 horas, por 5 dias.

• Prednisolona: 1x ao dia pela manhã, por 5 dias. Observação: A via oral para broncodilatador é menos eficaz e tem mais efeitos adversos (taquicardia, tremor) que a via inalatória.

✍️ Instruções Padronizadas para os Responsáveis (Modelo):
"Este tratamento é para controlar a crise. Dê os xaropes nos horários certos. Para a bombinha (aerosol), use SEMPRE com o espaçador. Se a criança precisar de mais de 6 a 8 jatos do broncodilatador em 24 horas para se sentir bem, isso significa que o plano não está funcionando e você deve levá-la ao pronto-socorro. NÃO interrompa a medicação de controle diária (como a bombinha de corticoide inalado) durante a crise. Retorne para reavaliação em 5 a 7 dias."


3. Ajustes, Segurança e Condutas Específicas

Cenário Clínico

Ajuste na Conduta

Fundamentação

Falta de Resposta após 24h (Piora ou Sem Melhora)

Reavaliar URGENTEMENTE. Considerar:

1. Técnica inalatória inadequada (causa #1 de falha).

2. Trocar para Protocolo 1 (nebulização com dupla terapia).

3. Encaminhar para emergência para oxigênio, corticoide IV/IM, sulfato de magnésio.

A persistência dos sintomas indica evolução para crise moderada/grave, com risco de fadiga muscular respiratória.

Criança em Uso de Corticoide Inalatório de Manutenção

NÃO suspender. A dose da medicação de controle (ex.: Budesonida, Fluticasona) deve ser mantida ou até mesmo dobrada temporariamente, conforme orientação médica. A Prednisolona oral é adicional.

Suspender a medicação de base desestabiliza o controle da inflamação crônica, piorando o desfecho.

Vômitos Pós-Dose Oral

• Se vomitar em até 15 minutos: repetir a dose.

• Se vomitar após 15-30 minutos: aguardar a próxima dose.

• Para vômitos persistentes, considerar encaminhar para PS para corticoide parenteral (ex.: Dexametasona IM).

Garantir a absorção do corticoide sistêmico é crucial para o sucesso do tratamento ambulatorial.


4. Por que esta Estratificação é Fundamental?

✅ Baseada em Evidência e Gravidade: Oferece opções que vão da terapia mais potente (nebulização dupla) à mais conveniente (IDM+espaçador), todas respaldadas por diretrizes como as da Global Initiative for Asthma (GINA) Pediátrica e Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP).

✅ Foco na Via Inalatória como Pilar: Prioriza a via inalatória sobre a oral para broncodilatação, garantindo ação mais rápida, maior eficácia e menos efeitos colaterais sistêmicos, desde que utilizada com o dispositivo correto (espaçador).

✅ Dose Pediátrica Precisamente Calculada: Utiliza mg/kg para ambos os medicamentos, assegurando eficácia e segurança, fundamental na farmacologia pediátrica.

✅ Ênfase na Educação e Sinais de Alarme: Empodera os responsáveis com critérios objetivos de piora (contagem de jatos/24h), transformando-os em parceiros no manejo seguro da crise e na prevenção de desfechos graves.