Guia de Prescrição: Manejo da Doença Inflamatória Pélvica (DIP) - Protocolos Ambulatorial e Hospitalar
A Doença Inflamatória Pélvica (DIP) é uma infecção ascendente dos órgãos genitais superiores femininos, frequentemente polimicrobiana, que pode levar a sequelas graves como infertilidade, dor pélvica crônica e gravidez ectópica. O tratamento empírico imediato e agressivo, com cobertura para gonorreia, clamídia e anaeróbios, é essencial para preservar a função reprodutiva. Este guia detalha protocolos para tratamento ambulatorial e para casos com comprometimento sistêmico.
1. Diagnóstico Clínico e Critérios para Hospitalização
O diagnóstico da DIP é clínico, baseado em achados do exame físico e deve ser considerado em qualquer mulher sexualmente ativa com dor pélvica.
- Critérios Mínimos para Diagnóstico Empírico (CDC): Dor à palpação uterina OU dor à mobilização cervical OU dor anexial. Na presença destes e sem outra causa identificada, iniciar tratamento empírico para DIP.
- Critérios Adicionais que Apoiam o Diagnóstico: Temperatura > 38.3°C; secreção cervical ou vaginal anormal; evidência laboratorial de infecção por N. gonorrhoeae ou C. trachomatis; leucocitose; proteína C reativa elevada; achados sugestivos em imagem (espessamento de tubas, líquido livre pélvico).
- Critérios para Hospitalização Imediata (CDC):
- Gravidez.
- Falha ao tratamento oral.
- Incapacidade de seguir/tolerar regime oral.
- Doença grave, náuseas, vômitos ou febre alta.
- Abcesso Tubo-Ovariano (ATO) suspeito ou confirmado.
📌 Diagnósticos Diferenciais Importantes:
- Gravidez Ectópica: Sangramento vaginal irregular, dor abdominal unilateral aguda, teste de gravidez positivo. É uma emergência cirúrgica.
- Apendicite Aguda: Dor migratória para fossa ilíaca direita, sinais peritoneais, náuseas/vômitos proeminentes.
- Cistite/Pielonefrite: Disúria, urgência miccional, dor em flanco.
- Endometriose: Dor cíclica, dispareunia profunda, infertilidade.
2. Protocolos de Prescrição: Ambulatorial vs. com Comprometimento Sistêmico
O tratamento deve ser iniciado imediatamente após a suspeita clínica, sem aguardar resultados de exames.
TABELA 1: Protocolo Ambulatorial para DIP Não-Complicada
Item | Medicamento | Posologia e Instruções | Duração e Fundamentação |
1. (Injetável) | Ceftriaxona 500mg (IM) | Aplicar 500 mg (2 ampolas de 250mg), por via intramuscular, dose única. | Cobertura para N. gonorrhoeae. A dose de 500 mg é a atual recomendação do CDC devido à resistência. |
2. (Oral 1) | Doxiciclina 100 mg | Tomar 1 comprimido, por via oral, a cada 12 horas. | Cobertura para C. trachomatis. Deve ser mantido por 14 dias, mesmo com melhora precoce. |
3. (Oral 2) | Metronidazol 500 mg (ou Tinidazol) | Tomar 1 comprimido (500 mg), por via oral, a cada 12 horas. | Cobertura para anaeróbios. Essencial para flora polimicrobiana e prevenção de ATO. Tomar por 14 dias. |
4. (Parceiro) | Azitromicina 1g (para parceiro) | Parceiro(s) sexual(is): Tomar 1g (2 comp. de 500mg), por via oral, dose única. | Tratamento do(s) parceiro(s) é MANDATÓRIO para evitar reinfecção, mesmo se assintomático. |
TABELA 2: Protocolo para DIP Grave ou com Comprometimento Sistêmico (Hospitalar)
Item | Medicamento | Posologia e Instruções | Fundamentação |
Regime Intravenoso (Inicial) | Ceftriaxona 1g (IV) + Doxiciclina 100 mg (VO/IV) + Metronidazol 500 mg (IV) | Ceftriaxona: 1g IV a cada 24h. Doxiciclina: 100 mg VO/IV a cada 12h. Metronidazol: 500 mg IV a cada 8h. | Cobertura parenteral ampliada. A Doxiciclina oral tem biodisponibilidade adequada; a via IV é mais irritante. |
Alternativa IV (Alergia a β-lactâmicos) | Levofloxacina 500 mg (IV) + Metronidazol 500 mg (IV) | Levofloxacino: 500 mg IV a cada 24h. Metronidazol: 500 mg IV a cada 8h. | Regime de segunda linha. O Levofloxacino cobre gonorreia (se sensível) e clamídia. Monitorar tendões e efeitos no SNC. |
Transição para Oral (Após Melhora Clínica) | Doxiciclina 100 mg + Metronidazol 500 mg | Ambas VO a cada 12h, para completar 14 dias de tratamento no total. | A transição pode ser feita após 24-48h de defervescência e melhora da dor à palpação. |
Tratamento do Parceiro | Azitromicina 1g (para parceiro) | Dose única VO. | Igualmente mandatório. A paciente deve evitar relações sexuais até que ela e o parceiro tenham completado o tratamento. |
✍️ Instruções Padronizadas para a Paciente (Ambulatorial):
"Este é um tratamento sério para uma infecão séria. Você receberá uma injeção agora e levará dois tipos de comprimidos para casa. É fundamental tomar TODOS os comprimidos, nos horários certos, pelo tempo total de 14 dias, mesmo que se sinta melhor antes. Abstinência sexual é necessária até você e seu(s) parceiro(s) terminarem o tratamento. Seu(s) parceiro(s) precisa(m) buscar tratamento. Retorne em 48-72 horas para reavaliação. Procure o hospital se: a febre ou a dor piorarem, ou se surgirem náuseas/vômitos que impossibilitem tomar os comprimidos."
3. Ajustes, Monitoramento e Condutas Específicas
Cenário Clínico | Ajuste na Conduta | Fundamentação |
Suspeita ou Confirmação de Abcesso Tubo-Ovariano (ATO) | 1. Hospitalização obrigatória. 2. Antibioticoterapia IV de amplo espectro (Regime Hospitalar). 3. Avaliação cirúrgica (Ginecologista): Drenagem percutânea ou laparoscópica se > 5-6 cm ou sem resposta clínica em 48-72h. | Os ATOs requerem terapia IV agressiva e muitas vezes intervenção para drenagem. A Clindamicina é frequentemente adicionada ou substitui o Metronidazol por melhor penetração em abcessos. |
Gestação | Hospitalizar. Regime seguro: Ceftriaxona IV + Azitromicina IV/VO + Metronidazol IV. EVITAR Doxiciclina (teratogênica) e Fluoroquinolonas (artropatias). | A DIP na gestação é rara mas associada a desfechos obstétricos adversos. O regime precisa ser seguro para o feto. |
Falha ao Tratamento Ambulatorial (sem melhora em 48-72h) | 1. Hospitalizar para terapia IV. 2. Reavaliar diagnóstico (excluir ATO, gravidez ectópica). 3. Reforçar adesão e tratamento do parceiro. | A falha pode indicar ATO não diagnosticado, patógeno resistente ou não-aderência. |
Alergia Grave a β-lactâmicos (ex.: Ceftriaxona) | Ambulatorial (com cautela): Levofloxacino 500 mg VO 1x/dia + Metronidazol 500 mg VO 2x/dia, por 14 dias. Verificar sensibilidade local da gonorreia ao Levofloxacino. | A resistência da gonorreia às fluoroquinolonas é comum. Este regime só deve ser usado se a sensibilidade for conhecida ou em áreas de baixa resistência. |
4. Por que Este Protocolo é Agressivo e Obrigatoriamente Combinado?
✅ Cobertura Empírica de Amplo Espectro: A tríplice terapia (Ceftriaxona + Doxiciclina + Metronidazol) cobre de forma sinérgica os três grupos de patógenos mais envolvidos na DIP (gonococo, clamídia e anaeróbios), seguindo rigorosamente as diretrizes do CDC.
✅ Ênfase no Tratamento do Parceiro como Parte da Terapia: Reconhece a DIP como uma infecção sexualmente transmissível. Tratar apenas a paciente sem tratar o parceiro resulta em taxas de reinfecção de até 25%, anulando o esforço terapêutico.
✅ Critérios Clínicos Claros para Hospitalização: Define situações onde o tratamento oral é insuficiente (náuseas, ATO, gravidez), garantindo que pacientes de alto risco recebam o suporte necessário para prevenir complicações potencialmente fatais ou que causem infertilidade.
✅ Duração Prolongada do Tratamento (14 dias): Garante a erradicação de infecções profundas e de difícil acesso (como nas tubas uterinas), diferentemente de tratamentos mais curtos para infecções mucosas.