Guia de Prescrição: Manejo de Cervicite e Uretrite Não-Gonocócicas
As cervicites e uretrites representam síndromes clínicas frequentes, com etiologia predominantemente infecciosa e potencial para complicações graves se não tratadas adequadamente. O manejo empírico eficaz requer cobertura para os patógenos sexualmente transmissíveis mais prevalentes, notadamente Chlamydia trachomatis e Neisseria gonorrhoeae, seguindo protocolos de terapia combinada e tratamento de parcerias. Este guia apresenta um esquema prescritivo robusto para casos não complicados.
1. Diagnóstico Clínico e Epidemiológico
O diagnóstico inicial é frequentemente presuntivo, baseado em achados clínicos e epidemiológicos, com confirmação laboratorial ideal.
- Cervicite Mucopurulenta: Presença de secreção purulenta ou mucopurulenta endocervical, facilmente induzida pela passagem de swab, e/ou sangramento facilmente induzido (colo friável). Pode ser assintomática.
- Uretrite: Corrimento uretral purulento ou mucoide (mais visível pela manhã), disúria (ardência para urinar) sem frequência ou urgência aumentadas.
- Contexto Epidemiológico: Idade sexualmente ativa, múltiplos parceiros sexuais, histórico de IST prévia ou parceiro com sintomas. A infecção assintomática é comum, especialmente em mulheres.
📌 Diagnósticos Diferenciais e Abordagem:
- Vaginose Bacteriana (VB): Corrimento homogêneo, branco-acinzento, com odor fétido. Geralmente não causa cervicite ou uretrite inflamatórias.
- Cistite Bacteriana: Disúria, urgência e frequência miccional, mas sem corrimento uretral.
- Doença Inflamatória Pélvica (DIP): Complicação temida da cervicite não tratada. Suspeitar em caso de dor à mobilização cervical, dor anexial e febre.
- Avaliação Laboratorial Mínima Recomendada: Teste molecular (PCR/NAT) para C. trachomatis e N. gonorrhoeae em swab endocervical/uretral ou urina de primeiro jato. Testar sempre para HIV e sífilis (VDRL).
2. Prescrição Padrão: Terapia Empírica Combinada (Dual)
Para cervicite/uretrite não complicada, o tratamento empírico deve cobrir gonorreia e clamídia simultaneamente, devido à alta taxa de coinfecção.
Prescrição Principal (Esquema Atualizado)
Item | Medicamento | Posologia e Instruções | Fundamentação e Observações |
1. | Ceftriaxona 500mg (fr-amp) | Aplicar 500 mg (2 ampolas de 250mg), por via intramuscular, em dose única. | Tratamento de escolha para Gonorreia. A dose de 500 mg IM é a atual recomendação devido à resistência crescente. Administração IM profunda (glúteo). |
2. | Azitromicina 1g (comprimido 500mg) | Tomar 2 comprimidos (1g no total), por via oral, em dose única. | Tratamento de escolha para Clamídia. Dose única de 1g é altamente eficaz e promove excelente adesão. |
3. | Tratamento do(s) Parceiro(s) | Prescrever o MESMO regime (Ceftriaxona 500mg IM + Azitromicina 1g VO) para todos os parceiros sexuais dos últimos 60 dias. | Fundamental para prevenir a reinfeção (causa comum de "falha terapêutica") e interromper a cadeia de transmissão. A notificação e tratamento são obrigatórios. |
✍️ Instruções Padronizadas para a Paciente/Paciente (Modelo):
"Este tratamento combina uma injeção e comprimidos para eliminar as infecções mais comuns. É crucial que seu(s) parceiro(s) sexual(is) também receba(m) tratamento, mesmo que não tenha(m) sintomas. Evite relações sexuais até que você e seu(s) parceiro(s) tenham completado o tratamento e os sintomas tenham desaparecido (geralmente 7 dias). Retorne para repetir os testes de cura (re-teste em 3 meses) ou se os sintomas persistirem. Lembre-se de fazer o teste de HIV e sífilis conforme solicitado."
3. Alternativas Terapêuticas e Ajustes
Cenário Clínico | Ajuste na Prescrição | Fundamentação |
Alergia Grave à Ceftriaxona (Anafilaxia) | Para Gonorreia: Gentamicina 240 mg IM dose única + Azitromicina 2g VO dose única. Observação: Esquema de segunda linha, monitorar função renal. | A resistência às fluoroquinolonas (ex.: Ciprofloxacino) é alta, não sendo mais recomendadas. Este esquema alternativo é baseado em evidências recentes. |
Gestação | Regime Seguro: • Ceftriaxona 500 mg IM dose única (para gonorreia). • Azitromicina 1g VO dose única (para clamídia - categoria B). A doxiciclina é contraindicada. | A abordagem dual é segura na gestação. O rastreio e tratamento são essenciais para prevenir complicações neonatais (conjuntivite, pneumonia). |
Persistência dos Sintomas após Tratamento Adequado | 1. Verificar aderência e tratamento do parceiro. 2. Considerar reinfecção. 3. Investigar outros patógenos: Trichomonas vaginalis (tratar com Metronidazol ou Tinidazol), Mycoplasma genitalium. 4. Reavaliar o diagnóstico. | A persistência frequentemente indica reinfecção por parceiro não tratado. M. genitalium requer tratamento específico (ex.: Moxifloxacino). |
Infecção por Chlamydia Confirmada (Sem Gonorreia) | Pode-se usar Doxiciclina 100 mg VO 12/12h por 7 dias como alternativa à Azitromicina, EXCETO em gestantes. Tem eficácia ligeiramente superior em alguns estudos. | A doxiciclina por 7 dias é uma opção válida, mas a adesão à dose única de Azitromicina é geralmente melhor. |
4. Por que Este Protocolo é Eficaz e Atualizado?
✅ Cobertura de Amplo Espectro e Combate à Resistência: A associação de uma cefalosporina de 3ª geração (Ceftriaxona) com um macrolídeo (Azitromicina) segue rigorosamente as diretrizes do CDC (EUA) e da OMS, sendo a única recomendada empiricamente para cobrir as cepas resistentes de gonococo.
✅ Abordagem de Dose Única: Maximiza a adesão ao tratamento, um fator crítico de sucesso no manejo de ISTs.
✅ Ênfase Imperativa no Tratamento de Parceiros: Reconhece e aborda a principal causa de falha terapêutica aparente, integrando o conceito de saúde sexual como cuidado compartilhado.
✅ Alerta para Complicações e Rastreio: Orienta sobre os sinais de DIP (complicação grave) e enfatiza a necessidade de teste de cura (re-teste) e rastreio para outras ISTs, promovendo um cuidado integral.